segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Recado

Acontece que sei que seis leitores
visitam minhas páginas estranhas
e me perdoam falhas, tantas manhas
de criança birrenta, os maus humores

tão di_versos nas linhas desses textos
e os elogios que dizem não mereço
que sigo tateante, o meu começo,
mas conto com o apreço - meu pretexto

Revisito meus versos re-sentidos
como quem diz mentira ao pré do olvido
e busco uma outra forma, um outro traço

Por isso estou distante, não inerte
em vãos velejo e a verve só diverte...
Aos seis eu agradeço - e o meu abraço!

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Amo-te II

Amo-te tanto, mesmo insano aceito
E a violência do teu sentimento
Te deixa bobo, raciocínio lento
Que me precisas do lado no leito

Intensidades são nossos defeitos
E o teu domínio define o momento
Amo-te tanto que a mim arrebento
e não há fuga nem volta, suspeito

Amo-te, creio, pois me poste algemas
E te encarceras, medidas extremas
E me sustentas como fosse um vício

E porque espero carinhos e penas
E insanidades são coisas pequenas
Amo-te tanto que inda morro disso

sábado, 21 de agosto de 2010

Amo-te

Amo-te tanto que te quero morta
Que diminuas, vires só lembrança
Pois some, bate atrás de ti a porta
E jamais voltes, pago-te a mudança

Ou corres risco de eu querer vingança
Dum sentimento que só desconforta
Quando de noite sobre mim avança
Então me oprime, drena, até me entorta

Amo-te tanto, e é muito perigoso
Qualquer bom tempo sempre é antegozo
De acontecências de tragédia e horror

Amo-te muito, não quero por isso
Ficar tão perto, sei do precipício
E do tormento desse meu amor!

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Mistérios

Posto fossem só mistérios sem enredo
que fizeram pouco o pouco que restara
do carinho que acabava tão na cara
já cansada e mal dormida desde cedo

Posto fossem só mentiras, sem história
que fizeram gumes, cacos e demências
e que fossem, como foram, displicências
que assanharam nossa verve acusatória

Quando eu olho pro passado fico tenso
percebendo as rugas, rusgas dessas horas
nos espelhos, minha cara, quando penso

raso ou denso, no não-ser e nu lá fora
sinto dor, melancolia, um ódio imenso
do suspenso, do que foi, do que é o agora.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Pacabá

Eu planto, mas é só pro meu consumo
Ficar puxando o saco? Ah, mano, pára...
Eu sei o quanto amigo é coisa rara
Nos dedos duma mão faço o resumo

À falsidade nunca me acostumo
Safado tirar onda co’a mi'a cara
O sangue ferve, truta, o coração dispara
E perco a paciência, o ritmo e o prumo

Podia tá matando ou tá num furto
Mas acho mais da hora, véi, eu curto
Botar minhas bobagens num papel

No mais fundo da mente eu sou favela
E enquanto a outra é longe, etérea e bela
A minha musa é boa e dança créu.

domingo, 15 de agosto de 2010

Sono

Acaba. Cansaço e fastio da dança
nada esperas, vês ninguém
não sobressaltam lembranças.

Dorme em paz na noite mansa...
silêncio o sono entretém
- até o sonho descansa.

Muito poucos dormem bem...

...se voltasse o ser criança...

Decadência

Nessa vida em que tendemos ao fracasso
nesse mundo tão sem prazo e sem medida
nessa luta que começa já perdida
vejo o jogo, todos ganham quando eu passo

Nu, sem graça, represento outro palhaço
largos passos se aproxima a recaída
tudo acaba, desde amor até a bebida
danço louco nenhum ritmo no compasso

Neste rumo em que o passado passa adiante
como um sonho, cada vez mais delirante
sigo espanto ou desencanto? o passo hesita

Meu momento arrependido de existência
tudo fede à mais completa decadência
tudo corta, tudo sangra, tudo grita.

sábado, 14 de agosto de 2010

Crime

Vorazes inimigos à espreita
instigam paranóias e me alerto
Da brisa que plantei, virão, decerto,
terríveis tempestades na colheita

Sequer fugir agora me aproveita
ao horizonte seco e atroz deserto
futuro tudo deixa a descoberto
aguardo para breve a pena eleita

Deveras ansioso por castigo
ao que já devo mais inda acrescento
alegando inocências que não tenho

Pior que os inimigos me persigo
a culpa determina o movimento
Com mais voracidade e mais empenho.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Livre iniciativa

Porque eu não escrevo, o poema é sozinho
se sai escrevendo, se escolhe e se inspira
depois se arrepende, então chora, suspira...
...eu fico assistindo tomando meu vinho!

Poema carente procura carinho
então se dedica outras odes e liras
quer ser infinito, no eterno se mira
enquanto o observo vaidoso e mesquinho.

Poema arrogante, o poeta, um omisso
não viu nada disso, servil, não fez conta
engana que é gosto, perdoa que é vício

distrai-se nas rimas não sobra uma ponta
que seja desculpa, lhe explique o sumiço
(o vate é tranqüilo, poema é que afronta).

O amor agora segue do meu lado (*)

O amor agora segue do meu lado(*)
E nele hei de encontrar toda guarida
Após tantas tormentas minha vida
Afastou todo mal, me vi curado

Foi paz pro meu espírito cansado
Sabendo a solidão tão merecida
Regozijo maior, vê-la vencida
Faz cultivar o amor e seu reinado

Correção e firmeza sendo o norte
Ao qual miramos sempre, o passo forte
Cientes dos horrores nos cenários

Mas tal proximidade, o laço estreito
Reforça a fé no mundo, aquece o peito
Nos une ao universo, abraços vários


(*) - primeiro verso do último soneto da COROA MAGNA DE SONETOS, de Marcos Loures.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Depois de tudo (perdido)

"Não sei se estou sofrendo
ou se é alguém que se diverte
porque não? na noite escassa"

Carlos Drummond de Andrade


Andamos descuidados eu e o medo
esperança padece seqüestrada
por mil mãos assassinas imolada
espera e vem a morte tarde ou cedo

Mentiras eternizam-lhe o degredo
enquanto em buscas vãs encontro o nada
Talvez pudesse rir de tal piada
não fosse tão custoso ser brinquedo

Um deus se divertindo em noite escassa?
Feroz mas não abate sua caça?
Desejo só que um carro me atropele!

Mas não, todos dirigem com cuidado
desviam-se de mim, como aleijado
carrego desespero sob a pele.

“Minha bela Marília, tudo passa
A sorte deste mundo é mal segura”
Tomás Antônio Gonzaga



Então, bela Marília, caminhemos
por parques, pelos prados, pelas praias
Aproveitemos ovações e vaias
façamos logo enquanto nós podemos

Conheçamos, Má, meios e os extremos
que os outros todos são nossas cobaias
pegue umas roupas, tuas minissaias
não temas nada pois nós tudo temos

Vivamos livres como dois canalhas
quem sabe um dia um banco a gente assalta
fugimos ricos pras Ilhas Canárias

e aí para sempre é curtição, na flauta
só eu, você e a veia literária
o resto eu deixo que não me faz falta.

domingo, 8 de agosto de 2010

Nem...

Nem tudo mede a balança
nem tudo vende na feira
nem tudo é só brincadeira
nem todo xote é pra dança
nem toda noite é criança
nem todo truco tem tento
nem toda dor tem alento
nem é sempre a poesia
mas tristeza é todo dia
quando a saudade é tormento

nem sempre cesto faz cento
nem toda nuca arrepia
nem toda droga vicia
nem todo choro é lamento
nem todo vinho é tão bento
nem todo verde, esperança
sem tudo o que cai, balança
nem sempre é boa a vizinha
nem veio - e disse que vinha!
Nem todo xote é pra dança.

nem sempre esperando alcança
nem tudo que sobe, desce
nem toda dor adormece
nem todo exercício cansa
nem sempre vem a bonança
logo depois da tormenta
nem toda cerca arrebenta
nem sempre faço o que disse
nem sempre se elege o vice
nem todo verso acrescenta

nem toda estrada é tão lenta
nem todo angu tem caroço
nem toda festa, alvoroço
nem todo leitor comenta
nem todo erro tem ementa
nem toda moça faz trança
nem sempre rende a poupança
nem sempre vale a intenção
nem todo santo é cristão
nem todo sono descansa

nem todo touro é tão manso
nem toda bruxa pressente
nem meu silêncio consente
nem todo sinal avanço
nem todo pescoço é ganso
nem todo barulho é vento
nem tudo que quero eu tento
nem todo sábado é festa
nem todo poema presta
nem, com tão pouco, contento.

(nem todo boteco eu sento
nem toda mula se empaca
nem todo leite é de vaca
nem tudo que conto, aumento
nem todo olho é tão atento
pra entender a diferença
nem todo frio condensa
nem todo oculto é sujeito
nem toda mágoa é despeito
nem todo crime compensa.)

sábado, 7 de agosto de 2010

Rondel apressado

Há justificativa pr’essa pressa
ou já nem sabe mais pra onde iria?
Acaso é algum tipo de promessa,
jurou jamais deixar hora vazia?

Perdeu no compromisso a alegria
melhor se concentrar no que interessa...
Há justificativa pr’essa pressa
ou já nem sabe mais pra onde iria?

Menor que seja o atraso já se estressa
até pro seu prazer há correria
de olho no relógio, mais depressa
se põe a devorar comida fria
Há justificativa pr’essa pressa?

Guerra santa

Qual dos deuses explode este planeta
nessa sanha de ver sangue jorrar?
Gentileza de Zeus, Tupã, de Alá,
Anhangá, Ares, Marte, do Capeta?
Por que deuses nos põem nessa treta?
E qual deles mais ri de quem se ferra?
Algum deles traria paz à terra
até para o inimigo declarado?
Quantos deuses estão de cada lado
quando o mundo celebra a santa guerra?

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Pai

Lá dentro do caixão está meu velho
e agora já não posso ser o filho
Os pêsames ressoam estribilhos
repetem-me pesares e conselhos

Meu pai lá no caixão está defunto
Nem é ele que está, já nem existe
E eu sinto... O que que eu sinto? Estarei triste?
Estou pior que triste, eu morri junto.

Tá dentro do caixão, termina o cara
Que mais zelou por mim nesse planeta
e concedeu bem mais do que o gameta
e agora o mundo muda e desampara

Está morto e encerrado, acaba o homem
um corpo que se enterra e os vermes comem.

domingo, 1 de agosto de 2010

resta

O que há e diz ainda
nessa minha poesia
o silêncio quem diria
que era fria que era finda

e por que de novo a rima
que não quis e não devia
assim perco poesia
ou é quando se aproxima

o que conta, dizem todos
tão ladinos, tão nosotros...

que me vou virando folhas
ponham rolhas nos ouvidos
sejam seus os meus ruídos
quase nadas vagas bolhas.

Excesso

eram muitas intenções e quase todas
nossas boas condições pra vôos curtos
eram muitas distrações tantos assuntos
que passávamos de pasmos para tontos

sobreveio um ponto cego prato pronto
e o que antes fora sol tornou-se surto
do que foi tão evidente só um vulto
afogado numa gota dessas ondas

nos sentimos arrepios e descompassos
e provamos nossas noites mais vazias
quanto mais abarrotadas de promessas

nos provemos de premissas e cansaços
decidimos como não amanhecia
acabamos porque o dia tinha pressa