sábado, 29 de janeiro de 2011

Outro dia de hoje

O dia foi-se tarde sem ter sido
notado pra futuros calendários
Um dentre tantos outros, ordinário
na média e sem remédio – já perdido

(é madrugada, amigo, nada nega
não sinta ansiedade nem tristeza)

A noite é mais culpada quando parte
o céu em cinza, anil e cor-de-rosa
A noite é sintonia mais dolosa
plantando seu the end em cada start

(é madrugada e tudo é permitido
mas cada passo é falso e vigiado)

É madrugada, amigo, na bodega
E as cobras que se escondam pelos cantos
Aqui são todos sóbrios, sábios, santos
E não se quebram copos, tratos, regras

(é madrugada e cedo sem apartes
Que o dia já vem vindo renovado)

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Constrato

Tenho humor, ironia e certeza
(aliás, como todo vivente)
Meia noite e meu corpo presente
e a garrafa de vinho na mesa

E comigo, essa coisa que pesa
muito mais que qualquer elefante
um cansaço, essa angústia gigante
que me atrasa, me acusa e despreza

Tenho o tédio e meu medo da morte
as miragens, a tela-tranporte
e esse tempo que perco escrevendo

este verso em que insisto e não presta
e um silêncio que dita palestras
(meu soneto com vários remendos)

domingo, 23 de janeiro de 2011

Classe

Aqueles olhos, como fitos na verdade
visão perfeita, mais que lindos, brilham sábios
Aqueles lábios, ah, meu Deus, aqueles lábios
quase me fazem implorar por caridade

Então me afogo no oceano que me invade
como um tsunami de desejos buliçosos
Sonho mil beijos nesses lábios tão gostosos
mas confessar-me a uma deusa eu hei? Quem há-de?

E me demoro contemplando aquela face
querendo o enlace em minha noite eu a suponho
Como se bem perto estivesse e eu respirasse

sentindo o cheiro de sua pele, e segue o sonho
noutros caminhos, de seu corpo à sua classe
e cedo ou tarde o quanto quero inda proponho.

***
selecionado no 1º concurso de poesias Belacop

Medindo a crítica

Definitivamente de mau gosto
Aprisionar o verso com a métrica
A fôrma antiga usar, coisa patética
Arrisca a descambar pro lado oposto

Por isso estou aqui deixando exposto
Desgosto que me dá tão tosca estética
É quase um atentado contra a ética
Escritor que se preza vire o rosto

Porque se fosse assim, questão de prática
Bastava que soubesse matemática
Usasse esdruxulice e não talento

Porém só livre o texto é poesia
A forma fixa dá claustrofobia
Se for pra medir verso eu me aposento.

***
menção honrosa no IV Festival de Sonetos "Chave de Ouro"

Mistérios

Posto fossem só mistérios sem enredo
que fizeram pouco o pouco que restara
do carinho que acabava tão na cara
já cansada e mal dormida desde cedo

Posto fossem só mentiras, sem história
que fizeram gumes, cacos e demências
e que fossem, como foram, displicências
que assanharam nossa verve acusatória

Quando eu olho pro passado fico tenso
percebendo as rugas, rusgas dessas horas
nos espelhos, minha cara, quando penso

raso ou denso, no não-ser e nu lá fora
sinto dor, melancolia, um ódio imenso
do suspenso, do que foi, do que é o agora.

***
selecionado no IX Prêmio Literário Livraria Asabeça 2010

Primavera

Eu sinto como houvesse um reinício
setembro, quando passa do equinócio
É o mundo que convida o olhar e o ócio
é flora que encontrou tempo propício

Beleza, muito mais que mero indício
desfilando mais leve, doce e dócil
Primavera zelosa, um sacerdócio
que só finda em dezembro, no solstício

Celebrando estação de mais amores
assaltam nossas ruas vivas cores
céu azul, tempo ameno, belos dias

Surgem ninhos, abelhas, girassóis
sensação que eu e o outro somos nós
natura declamando poesias.

***
menção honrosa no I Concurso de Poemas Cultura Revista

O espaço da poesia

Kleider voltava da faculdade, meia noite no máximo, quando pensou num poema. Com sua urgência peculiar, resolveu escrever sentado ao meio-fio, quando a viatura surge e o policial o aborda:
- Que tá fazendo?
- Poesia – responde simples.
- Então deixa eu ver...
Pega o caderno, lê os primeiros versos...
- Então o cara é poeta?! Levanta, mão na cabeça...


***
menção honrosa no II concurso Simplicíssimo de minicontos

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Conserto em dor menor

Agora me descansam as canetas
E nada desse mundo pede escrita
E tudo já se disse, e supra cita

Enquanto nada dói nem se inquieta
Agora, enquanto fritam minhas fritas
Eu sei quanto é melhor não ser poeta

Agora, enquanto a sina não se ingrata

O vate nem desgosta, nem reluta.