domingo, 18 de setembro de 2011

Poëta fit

nasci poeta nada, mas me faço
sujeito para ser predicativo
bem antes de ser vate, nasci vivo
um bípede sem pena nem compasso

poemas se cometem, eu permito
que um rito faça parte desse fato
mas nato sou só livre, não me mato
nem vivo por palavras, dentre o dito

nasci sem dom nem vício, analfabeto
bebê, não soube código secreto
sem lei nem compromisso co destino

e nem foi prumo, plano, minha meta
nem creio venha pronto: ser poeta
por força de algum gene, dom divino.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

A cidade

A cidade cede luzes, cede asfalto
a seus ratos e baratas, sua elite
Requebrando um pé descalço um salto alto
altos brados, vai cantando o novo hit

A cidade pede grana, teme assalto
violenta, e que ninguém desacredite
Litorânea, lá da serra, do planalto
pisa fundo, passa muito do limite

Bebe todas, passa a noite inteira insone
e amanhece criticando a vizinhança
A cidade, perna fina e silicone,

quer memória, quer notícia e confiança
Muito embora peça nome e telefone
a cidade não te espera nem te alcança.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O tempo, que atravessa e queima pontes

O tempo, que atravessa e queima pontes
é o mesmo que, saudoso, se arrepende
do novo, vendo a glória no horizonte
do velho, desprezado no presente

O tempo, que não cura nem responde
é o mesmo que alivia e se resolve
no novo, quando sonha e voa longe
no velho, quando saca seu revólver

O tempo, que nos bate de porrete
é o mesmo em que o pecado se comete
no novo, quando estende seu tapete

no velho, quando o efêmero derrete
no novo, porque tempo é sabonete
no velho, porque o tempo é um pivete

sábado, 30 de julho de 2011

Não voa

Porque não tenho asas ou motores
Porque não manipulo gravidades
Sou lúcido, provável e evidente
que viram todos primeiro

Um desejo à que se nega
o desastre da existência
(criança pulei do muro
com toalha no pescoço)

Porque sonho livre avoua
E eu não vou além da jaula
Peçonhento caminhante
que não tem nem viu leveza

Porque não crê em asas nem motores
Porque não manipula a gravidade.

domingo, 10 de julho de 2011

Versos num papel

Aqui neste papel eu deixo o agora
O tempo - meu presente e algum futuro
Transmito o pensamento e me asseguro
Que o pensamento siga tempo a fora

Aqui, meu céu, chiqueiro em que chafurdo
É onde estou mais vivo e mais inteiro
E o verso é minha música e letreiro
Embora eu siga insano e cego e surdo

Minha esperança plena e o mau agouro
O surto, o senso, o esgoto e meu tesouro
Meu sonho, meu desastre e meu conflito

Tomando forma, fazem-se sujeitos
E eu viro o objeto e, menos que um conceito,
Aqui neste papel eu fico escrito.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

A janela

"Janela, espelho meu
- se eu te saltar
fodeu?" - Giovani Iemini


Quando um corpo passa e salta
pra depois do esquecimento
(toda janela é tão alta
que mal sabe do cimento)

Um que rompe grade e vida
muito cedo e muito tarde
(toda janela duvida
da coragem do covarde)

Quem se apoia e vai embora
encarar o precipício
(toda janela é pra fora
e do jeito mais difícil)

um que voa e vê-se morto,
um que a própria vista aborta
(toda janela olha torto
pra quem não prefere a porta)

quinta-feira, 9 de junho de 2011

sono

de sono meu senso sibila e sanfona
conforme contorna e procura ser sonho
é blues e soneto do quanto proponho
infame Morfeu que cochila e ressona

com sono sem véu que a vigília disponha
mentira e persona coleira do dono
silêncio sonâmbulo todo abandono
findando eficaz essa fala enfadonha

afago o cansaço no tarde desta hora
esporo carneiros persigo calores
excesso de cores refere a demora

acalmo os sentidos relevem-me humores
conforme o reverso cá dentro o lá fora
em tons fugidios com pincéis incolores

domingo, 29 de maio de 2011

vice versa

procurando um vice versa
reverso de se esperar
desconvite de conversa
meu vício versa no bar

desdém anda e se diz persa
conta branda a beira-mar
um vento verde de inércia
ali vaga e vai ficar

passa a vista predileta
quase nada fosse ainda
visita feito cometa

fez-se foice finge finda
co um cara assim tão careta
minha capeta tão linda...

domingo, 15 de maio de 2011

Sujeito

se rolasse que minh’alma fosse minha
se de fato fosse um’alma o que me fosse
se meu cérebro seguisse a mesma linha
como fosse de nascença ou mais precoce

se eu perdesse de ofendido o agridoce
do discurso que de pronto se encaminha
ou gostasse como um vice que se emposse
me apossasse da crendice e ladainha

caso o tempo fosse eterno e repetisse
o que disse e fez de novo mesmo jeito
fosse tudo condenado à tal mesmice

ou se Nietzsche melhorasse em meu conceito
consciência como eu quase mas não disse
porque seja como for estou sujeito.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Onde?

Achei que ela estivesse já no papo
do nada então sumiu a poesia.
Procuro-a. Você sabe onde andaria?
Está cuspindo abelha? Engole sapos?

Tortura-me a pergunta: em que buraco
está? Por que razão se esconderia?
Ressaca, está doente da folia?
Não tem mais paciência, encheu o saco?

Será que onde ela está não tem correio?
Será que ela não abre mais o e-mail?
Será que se escondeu numa caverna?

Não sei por que sumiu, como abduzida,
mas nunca teve instinto suicida...
Não creio que está morta, acho que hiberna.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Cais

servo do bizarro
fixa os olhos no petróleo
para nossos carros

mais lama derrame
enquanto invade a Tailândia
um outro tsunami

(mas isso é raso, lógica simplista
montando uma equação de perda e ganho
o mundo é pra você o mesmo estranho
embora seu tamanho salte à vista)

degelo se faça
desabe desde a Antártica
até nossa taça

floresta se queime
decerto algo se preserva
no vídeo game

(de novo impera a lógica mais rasa
desastres surgem junto do argumento
perdido entre mentiras e lamentos
seu mundo nem parece a minha casa)

há centro e limite
relembre a fúria do tempo
ao nosso apetite

espasmo daqui
faz votos de terremoto
e vai ao Haiti

(o medo quer manter a vida acesa
e espera que sejamos sustentáveis
mas sermos destrutivos, descartáveis
faz parte dessa estranha natureza)

domingo, 24 de abril de 2011

Inteligível

.
Procurar o inteligível
mesmo vendo estranho o óbvio
eu em mim, inteiro e móvel
meu tamanho, peso e nível
medo franco, gosto horrível
credo, vício, magistério
meio raso, mais aéreo
do que ponte ou precipício

Feito pausa, um instertício
entre o voo e meu critério.
.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Das guerras

Pois toda guerra é santa e nunca falha
e, nela, cada dia é oito anos
Os magos invocando Rudianos
Valquírias nos trabalhos pós-batalha

Pois toda guerra é santa e glorifica
a vilania, o ódio, o fogo, os danos
Os dentes de dragão são espartanos
Ogum ou Azazel vão dando as dicas

Pois toda guerra é santa e salva o mundo
do tédio, do pecado ou da preguiça
É Macha celebrando sua missa
defronte do inimigo moribundo

Pois toda guerra é santa e faz milagres
mandando para o inferno o povo herege
É Palas quem devasta, Marte rege
e determina a Morte se propague

Pois toda guerra é santa e se abençoa
com força, com coragem e esperança
Odin certeiro atira sua lança
Caronte leva os corpos de canoa

Pois toda guerra é santa e pacifista
Disposta a concessões e sacrifícios
Andarta se esbaldando nos seus vícios
É Camulus com sede de conquista

Pois toda guerra é santa e poetisa
Versada nas vontades desta Terra
E em todo panteão há deus da guerra
que é santa, nosso medo a canoniza.

domingo, 20 de março de 2011

Agouro

O medo que me dá meu olho esquerdo
enquanto me anuncia outra tragédia
tremendo, que não vou morrer de tédio
meu olho prenuncia que vem merda

O dia fica estranho, eu fico aéreo
co a porta da crendice meio aberta
rangendo, e como a coisa fosse séria
meu medo um olho observa bem de perto

O risco que me esgarça pelo avesso
um cerco que se estende e não dispersa
pressinto não sabendo se mereço
meu mundo gira lento e controverso

Um olho que executa meu sequestro
me ataca, e toda culpa se confessa
aguardo que o destino bote o preço
do quanto eu levo escrito em minha testa

quinta-feira, 17 de março de 2011

A cidade

A cidade cede luzes, cede asfalto
a seus ratos e baratas, sua elite
Requebrando um pé descalço um salto alto
altos brados, vai cantando o novo hit

A cidade pede grana, teme assalto
violenta, e que ninguém desacredite
Litorânea, lá da serra, do planalto
pisa fundo, passa muito do limite

Bebe todas, passa a noite toda insone
e amanhece criticando a vizinhança
A cidade, perna fina e silicone,

quer memória, quer notícia e confiança
Muito embora deixe nome e telefone
a cidade não te espera nem te alcança.

terça-feira, 8 de março de 2011

Bichos que voam

Encontro de corpo solto e corpo
solto
poesias entre-
outras linhas
-cortadas.
E movimento circular é dança
nuvem de imaginação
vôo livre
pra longe daqui
longe de longe de longe
daqui.

Olha, nada sei de beleza além da compreensão
nada sei de distinguir
coisas feias de coisas tristes
mas repara...
a arrogância dos insetos
a arrogância dos felinos
a arrogância dos modestos
a arrogância dos cretinos.

terça-feira, 1 de março de 2011

Ais

Ah, se fosse mais que ais
e se desatasse nós

e não me deixasse só
tão-semente com meu caos

nas funduras abissais
do mar e feito de pó

enfrentando tais chacais
com gravatas, paletós

sonhando venha um após
como não se viu jamais

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Apaixonado

Enquanto eu vinha rindo e me perdia
te fiz declarações a cada esquina
Ensaiei as canções e poesias
(e o mundo me aturando, gente fina)

Enquanto eu vinha nada mais havia
Além do sonho: ver minha menina
E tudo me encantava e me sorria
(paixão tão forte ao mundo contamina)

Flutuei pra este colo que aconchega
Deixei coraçõezinhos no caminho
E trouxe de presente beijo e flor

Pois nada se compara a ser piegas
Rimar nosso desejo com carinho
E ver a nossa história se compor.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Página (a Leminski)

Esta página, por exemplo
de bites não foi cortada
nem sombra neste planeta
provável fazer de tonta
possível fi-la besta

Esta página é pra lida
nem precisa tradução
e não ficará sentida
da ditadura do vão

Nos longes do tempo infindo
das sombras da intenção
não se fez pra ser impressa
restará mera impressão
uma imagem refletida
no vídeo, tela-visão.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Carla (na balada)

a bala da balada é que abalava
a Carla, e ela topava toda e cada
atrás da saia eu caio na emboscada
que a gata, já trincada, estava escrava

da tal batida tosca, que irritava
até mais que os babacas na balada
e a Carla acalorada lá, fritada
suava alada e quente feito lava

deixava embasbacada a carne fraca,
que eu dava a cara a tapa, dava pala
e um balde d’água. a louca chapa paca

me atiça a tara, agarra enquanto fala
que aguento até babaca, essa ressaca,
que aguento um bate-estaca pra pegá-la.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Morramos

Morramos, pois iremos aos velórios
e anotaremos nomes nos jornais
diremos “foi um santo esse rapaz
em tudo tão incrível e notório”

Esgotaremos nosso repertório
de loas, elogios imorais
Repetiremos velhos rituais
diante duma cova ou crematório

Confusos e assustados como bichos
que somos de inverdades e cochichos
em meio às paranóias do não-vida

Morramos, pois o dia é tão propício
Morramos, pra que a festa tenha início
Morramos todos, bestas suicidas.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Quem pagasse

Acontece que a vida
não pode dar prejuízo
maior que uma dor de dente

Além de agüentar tirano,
de ter que extrair o ciso,
seu amor, que te ignora,
do medo, que desde agora
frustra todo e qualquer plano,
não pode dar prejuízo!

São clamores imprecisos,
a vida vem de presente!
Se bem que em contrapartida
nos abre alguma ferida,
não pode dar prejuízo
maior que uma dor de dente!

A vida, doida varrida,
depois de tudo perdido,
sossego, grana e seu dente,
tudo insano e tudo urgente
não será, ainda, a vida,
pior que uma dor de ouvido!

sábado, 29 de janeiro de 2011

Outro dia de hoje

O dia foi-se tarde sem ter sido
notado pra futuros calendários
Um dentre tantos outros, ordinário
na média e sem remédio – já perdido

(é madrugada, amigo, nada nega
não sinta ansiedade nem tristeza)

A noite é mais culpada quando parte
o céu em cinza, anil e cor-de-rosa
A noite é sintonia mais dolosa
plantando seu the end em cada start

(é madrugada e tudo é permitido
mas cada passo é falso e vigiado)

É madrugada, amigo, na bodega
E as cobras que se escondam pelos cantos
Aqui são todos sóbrios, sábios, santos
E não se quebram copos, tratos, regras

(é madrugada e cedo sem apartes
Que o dia já vem vindo renovado)

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Constrato

Tenho humor, ironia e certeza
(aliás, como todo vivente)
Meia noite e meu corpo presente
e a garrafa de vinho na mesa

E comigo, essa coisa que pesa
muito mais que qualquer elefante
um cansaço, essa angústia gigante
que me atrasa, me acusa e despreza

Tenho o tédio e meu medo da morte
as miragens, a tela-tranporte
e esse tempo que perco escrevendo

este verso em que insisto e não presta
e um silêncio que dita palestras
(meu soneto com vários remendos)

domingo, 23 de janeiro de 2011

Classe

Aqueles olhos, como fitos na verdade
visão perfeita, mais que lindos, brilham sábios
Aqueles lábios, ah, meu Deus, aqueles lábios
quase me fazem implorar por caridade

Então me afogo no oceano que me invade
como um tsunami de desejos buliçosos
Sonho mil beijos nesses lábios tão gostosos
mas confessar-me a uma deusa eu hei? Quem há-de?

E me demoro contemplando aquela face
querendo o enlace em minha noite eu a suponho
Como se bem perto estivesse e eu respirasse

sentindo o cheiro de sua pele, e segue o sonho
noutros caminhos, de seu corpo à sua classe
e cedo ou tarde o quanto quero inda proponho.

***
selecionado no 1º concurso de poesias Belacop

Medindo a crítica

Definitivamente de mau gosto
Aprisionar o verso com a métrica
A fôrma antiga usar, coisa patética
Arrisca a descambar pro lado oposto

Por isso estou aqui deixando exposto
Desgosto que me dá tão tosca estética
É quase um atentado contra a ética
Escritor que se preza vire o rosto

Porque se fosse assim, questão de prática
Bastava que soubesse matemática
Usasse esdruxulice e não talento

Porém só livre o texto é poesia
A forma fixa dá claustrofobia
Se for pra medir verso eu me aposento.

***
menção honrosa no IV Festival de Sonetos "Chave de Ouro"

Mistérios

Posto fossem só mistérios sem enredo
que fizeram pouco o pouco que restara
do carinho que acabava tão na cara
já cansada e mal dormida desde cedo

Posto fossem só mentiras, sem história
que fizeram gumes, cacos e demências
e que fossem, como foram, displicências
que assanharam nossa verve acusatória

Quando eu olho pro passado fico tenso
percebendo as rugas, rusgas dessas horas
nos espelhos, minha cara, quando penso

raso ou denso, no não-ser e nu lá fora
sinto dor, melancolia, um ódio imenso
do suspenso, do que foi, do que é o agora.

***
selecionado no IX Prêmio Literário Livraria Asabeça 2010

Primavera

Eu sinto como houvesse um reinício
setembro, quando passa do equinócio
É o mundo que convida o olhar e o ócio
é flora que encontrou tempo propício

Beleza, muito mais que mero indício
desfilando mais leve, doce e dócil
Primavera zelosa, um sacerdócio
que só finda em dezembro, no solstício

Celebrando estação de mais amores
assaltam nossas ruas vivas cores
céu azul, tempo ameno, belos dias

Surgem ninhos, abelhas, girassóis
sensação que eu e o outro somos nós
natura declamando poesias.

***
menção honrosa no I Concurso de Poemas Cultura Revista

O espaço da poesia

Kleider voltava da faculdade, meia noite no máximo, quando pensou num poema. Com sua urgência peculiar, resolveu escrever sentado ao meio-fio, quando a viatura surge e o policial o aborda:
- Que tá fazendo?
- Poesia – responde simples.
- Então deixa eu ver...
Pega o caderno, lê os primeiros versos...
- Então o cara é poeta?! Levanta, mão na cabeça...


***
menção honrosa no II concurso Simplicíssimo de minicontos

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Conserto em dor menor

Agora me descansam as canetas
E nada desse mundo pede escrita
E tudo já se disse, e supra cita

Enquanto nada dói nem se inquieta
Agora, enquanto fritam minhas fritas
Eu sei quanto é melhor não ser poeta

Agora, enquanto a sina não se ingrata

O vate nem desgosta, nem reluta.