quinta-feira, 29 de julho de 2010

Na linha

Pelamordedeus, mulhé!
A quem se quer enganar?
Isso é abusar da fé...
De observar o mar
ninguém vira marinheiro...
Pelamordedeus, mulhé!
O que eu iria falar
co’essa vida de ceifeiro
de quem prepara o jantar
pra comer só e de pé
Que quintende de amor
quem tá louco por dinheiro?
Pelamordedeus, mulhé!

costume

podia que essa dor nem fosse minha
quem dera aquela festa alucinada
prefiro minha pena àlguma espada
e nem o meu conselho Tina tinha

te juro não cantei minha vizinha
jamais que aplaudiria essa tourada
e cheia de deveras e enroscada
embora atroz tempesta um vento alinha

quisera que essa dor só fosse sua
talvez se nua a moça eu não estava
jamais na poesia pena alguma

achei a noite linda estrela e lua
jurava que domina mira escrava
por mais seja ruim ‘cê se acostuma

Palavras

Não mais rimam as palavras
rebelaram-se contra métricas e aliterações
e emudeceram
as palavras desenhos no papel
longas sintaxes beijando latins
não.
um, dois,
teste.
cantam nuas
mas não climam as palavras.

(Metrificam papéis sintáticos
latem duas rimas
e dão mudas

mais não imam as palavras).

sexta-feira, 23 de julho de 2010

é,
eu tenho fé
no intangível, no impossível
eu tenho fé
que a verdade é inconcebível

ah,
credito sim
está dentro de mim
com coração, fígado e rim

se deuses há
eu tenha fé
em mim

domingo, 18 de julho de 2010

Noite insone

Em sua última noite insone
você cantou, dançou, bebeu?
Passou frio e passou fome
soube que o filho era seu?
Foi subida inspiração
fogo mandado do céu?

Em sua última noite insone
o que foi que aconteceu?

Foi repetindo a rotina
foi naquela sexta-feira?
Foi delirando sozinha
foi curando a bebedeira?
Foi brigando com a vizinha
foi vestida de enfermeira?

Em sua última noite insone
o que lhe acontecera?

Foi dia de casamento
o romance te prendia?
Comemorou o espetáculo
foi doença na família?
Desmoronou o barraco
engravidaram sua filha?

Em sua última noite insone
o que é que acontecia?

Nem sei se tanto

um frasco, o espanto
    interrogação
um biltre, o esquisito
que somos e são.

          e no alquebrado
          o susto, o receio
          que quase na mão.

um tormento, um estrago
uma ilha, um tufão
o boneco biruta
que somos ou não.

          ou só a metade
          ou só um pedaço
          ou só na intenção.

sábado, 17 de julho de 2010

Segurança

quando eu abro esta janela no meu quarto
pelos vãos das grades vejo só um muro
- tendo pouco mais de dois metros de altura
de tão próximo parece bem mais alto

um cenário de metal e de concreto
paisagem cinza fora e cá de dentro
mais ferragens, fechaduras, mais cimento
isolando minha câmara secreta

artefatos para paz e segurança
cerca elétrica assegura mais distância
entre o ser que se aproxima e o olho mágico

um alarme, disparando ao movimento
cães vorazes, furiosos, sempre atentos
protegendo o que me resta com meu máximo.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Trechos

A duvidar que a vida seja sonho
ou presente mandado pelo infindo
assisto à crueldade, e já vêm vindo
temerárias paisagens, céu tristonho

Aos assassinos quase peço bênção
Em arremedos toscos, vãos e hilários
vou gastando meu cérebro e salários
sabendo (e como o sei!) o que eles pensam

Porém nesta embaixada a tal política
reveste-se de deusa e perde a crítica
e me profana tumbas, ferve verve

Acelerando a prece o fim de tudo
e não servindo o mundo eu fico? Mudo!
Pra tão pouca existência um qualquer serve.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Eternidade

Como aquele prazer além do intenso
que calafria a espinha eriça pêlos
querer senti-lo e mais sonhar retê-lo
requer sido ordinários outros tempos

como doce que chega arrebentando
percepções como fosse inda mais doce
e sempre mais potente em maior dose
perdendo qualquer pose sem descanso

a queda livre eterna neste abismo
o corpo todo aceso já sem corpo
a lógica engolida em fantasias

pior que desconforto tal lirismo
um cismo engole um cético está morto
cruel eternidade me diria.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Cena e texto

Oprimidos, pois faltantes paz e encanto
entretantos nos fazendo tão falantes
os minutos rastejando, cada instante
demorado, tudo lento por enquanto

Tudo pronto, desde o vinho ao andamento
da cantiga, mas a pele displicente
olhos, boca, tudo atento e nada sente
por enquanto tudo estanque, tudo lento

Par perfeito se perdendo no compasso
cada passo mais afasta, mais perdidos
ensaiados, desde a pose até o gemido
mas o enredo se esboroa, tudo lasso

Nosso corpos fazem cena quase tristes
porque encanto, por enquanto não existe.

domingo, 11 de julho de 2010

Reserva de mercado

"Você diz que sabe muito, vagalume sabe mais
vagalume acende a bunda, coisa que você não faz"
TIBILK


Disseram, poesia não é isto
É mais que discursar sobre o que eu acho
querer-me imperador, ver_me capacho
arrotar heresia, achar_me o Cristo

Sequer é sonetar, mas nisso insisto
às vezes como quem faz um despacho
porque buraco eu cria mais embaixo
sem tal burocracia - exigir visto

Sou contra essa reserva de mercado
mas pra mim tá de boa, é sossegado
deixemos as batatas, perdedores

Poetas são bem poucos, não confunda
é quem já transcendeu e acende a bunda.
Terão nos vagalumes professores?

sábado, 10 de julho de 2010

Medindo a crítica

Definitivamente de mau gosto
Aprisionar o verso com a métrica
A fôrma antiga usar, coisa patética
Arrisca a descambar pro lado oposto

Por isso estou aqui deixando exposto
Desgosto que me dá tão tosca estética
É quase um atentado contra a ética
Escritor que se preza vire o rosto

Porque se fosse assim, questão de prática
Bastava que soubesse matemática
Usasse esdruxulice e não talento

Porém só livre o texto é poesia
A forma fixa dá claustrofobia
Se for pra medir verso eu me aposento.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Perdendo dentes

Definitivo fosse o verso e se acabasse
qualquer intento para o resto do futuro
fosse inteiriço e mais potente que esconjuro
e depois desse qualquer lira fracassasse

Definitiva fosse a frase e não restasse
que não repita, que não diga muito tarde
Silenciassem ecos, gritos, falso alarde
e fosse enfim o mais perfeito desenlace

Mas sinalizam as garrafas para os mares
muitos lugares entre ventos e correntes
vate-engrenagem gira em torno do presente
perdendo dentes, às centenas, aos milhares

e brotam vozes pelos poros, cotovelos...
Olhos enormes, quem será que pode vê-los?

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Dependência

porque tudo em mim
depende do ido
depende do sim

porque tudo em mim
mais eco ruído
me sobra aos ouvidos

porque me depende
no tempo e no espaço
porque vida em frente
no vento e no braço
porque sou semente
daquilo que nasço

dependo de tudo
e tudo por fim
também dependente
de muito de mim

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Não-voo

já usei por exemplo
um terno com os bolsos costurados
e já saí
com sapatos trocados
foi nem tão som
fui de claro a quadrado
mais enfim saído mudo
nada é reto, nem me iludo
se retorno o mesmo tom

mas qual era mesmo o dom?

e de que falava o antes?

nem respondo
e já disse que não vou.