segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Noturno

a  luz me apaga a luz da inspiração
o texto era melhor quando no escuro
se acendo o lampiao perco e procuro
o verso que já estava em minha mão

como esse houve outros vários, um milhão
brilhantes, e na noite eu os capturo
da mais rara beleza, eu asseguro
mas sob a luz do dia já não são

chegando o sono eu ouço uma canção
soprando algo que existe além do muro
? ou sou só eu fazendo confusão

sonhando sou sonâmbulo e murmuro?
não poderei provar, dirão que não,
mas era bom, eu digo, teimo e juro. 

Página (a Leminski)

está página, por exemplo,
na nuvem, não foi semente
nem sombra deste planeta
possível presa de tempo
possível fi-la de besta

essa página é pra lida
desmerece tradução
e não fica ressentida
da ditadura do vão

nos longes do tempo infindo
das sombras de uma intenção
não prestou pra estar impressa
teimará mera impressão
como imagem refletida
no vídeo - tela a visão.


sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

maravilhosa


“a vida deve ser maravilhosa!”
incita co essa cara de quem cobra
enquanto a vida engana, faz manobra
e acaba com seu sonho cor-de-rosa

“a vida deve ser poema e prosa!”
insiste, e conta o pouco que lhe sobra
mas, caso deva, a vida não se dobra
aos cálculos de o quanto é valiosa

se deve, a vida nega, não admite
e mesmo ameaçada ela não paga
posterga pro futuro, inventa estória

aceite o prejuízo, dê por quite
quem sabe fique bom no fim da saga?
diz que a morte resgata a promissória...

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

exercício alexandrino

Um mano sugeriu que eu fizesse um soneto
em verso alexandrino:  hemistíquios, cesura
a tônica na sexta e, seguindo a moldura,
na décima segunda. Eu, por mim, não prometo

que saia grande coisa: esse ritmo é correto?
a rima é consoante, enlaçada e segura
só com palavra grave. Agradeço a leitura
porém já lhes advirto: isto é um mero projeto

não chega a ser poema, é somente exercício
pra sustentar o vício, o fetiche por regra
e aqui nesta bodega exercer meu ofício

que não é sacrifício, uma vez que me alegra
(e agora a rima pega... oh, meu deus, que suplício...)
Faltou a chave d ouro, eu já sei. Desapega.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Classe

aqueles olhos, como fitos na verdade
visão perfeita, mais que lindos, brilham sábios
aqueles lábios, ah, meu deus, aqueles lábios
quase me fazem implorar por caridade

nado e me afogo no oceano que me invade
como um tsunami de desejos indizíveis
sonho mil beijos nesses lábios impossíveis
mas confessar-me a uma deusa, eu hei? quem há-de?

e me demoro contemplando aquela face
querendo o enlace em minha noite eu a suponho
como se perto ela estivesse, e eu respirasse

sentindo o cheiro de sua pele, e sigo, em sonho,
hipnotizado por seu corpo e sua classe
e cedo ou tarde o quanto quero eu lhe proponho.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

livre iniciativa

Eu não faço nada, o poema, sozinho
se sai declamando, se escreve e se inspira
confessa e arrepende, então chora, suspira...
...eu fico assistindo tomando meu vinho!

Poema se achando mais flor do que espinho
faz pose e quer brilho, tem sonhos de lira
se vê em molduras, no espelho se admira
enquanto eu o observo, vaidoso e mesquinho.

Poema confuso, o poeta, um omisso
não viu nada disso, servil, não fez conta
engana que é gosto, perdoa que é vício

distrai-se com rimas, não deixa uma ponta
repete a desculpa "eu não fiz nada disso
brotou todo escrito, que a  coisa vem pronta".

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

pequenos defeitos

pois eu nunca tive defeitos pequenos
há tempos não peno sonhando-me o eleito
exceto uns senões sou até bom sujeito
tirante o sem jeito até sou mais ou menos

o réu mais direito a mim mesmo condeno
confuso e sereno confesso e suspeito
beirando ao ingênuo meu caos é conceito
demais contrafeito do próprio veneno

sou juras e juros cobrados na fonte
desculpas aos montes e enormes securas
temendo a censura que vê no horizonte

do meio da ponte meu salto procura
que a própria paúra por fim se amedronte
e um verso desponte de cada fratura

sábado, 13 de fevereiro de 2016

umas trovas

***
progride a desesperança
a ignorância cresce bem
a vaidade quase alcança
o medo que a gente tem
***
acaba-se a controvérsia
se combinarmos assim:
vencemos juntos a inércia
eu, me, eu mesmo e meu mim
***
porque então me dilacera
essa sensação ignóbil
como um mostro, como fera...
...eu não quero ficar sóbrio!
***
que o real não me respalda
que não passa de utopia
eu sei e sabe essa lauda
(vou dizer que não sabia)
***
fico dentro dos conformes
silencio os cotovelos
diante de olhos enormes
alguém mais poderá vê-los?
***

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

às vezes tenho medo

“pois muita gente mente/ pois muita gente dá a mão/  só para empurrar”
...............Cólera 

e quem não sente, meu compadre, a solidão?
a raiva e a frustração, o ódio e a indiferença
o muito que se cobra, os poucos que se dão
planeta consumido e toda a gente tensa?

será por grana e glória? alguém crê que compensa
enaltecer doença enquanto todos são
cobaias dum sistema em que reina a descrença
e o poder da aparência é maior que a razão?

ninguém vai ajudar porque ninguém se importa
se Inês vive ou se é morta ou quantos mais serão
fuzilados na rua enquanto eu fecho a porta

mortos por fome e sede ouvindo sempre um não
pois ninguém dá a mão, não salva nem conforta
ninguém mais se suporta e nosso grito é vão.





terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Mínimas

marés

não fica ao ponto
nem chega a prumo

nunca há desconto
sempre a consumo


...

pré ferida

desse a ladeira
fez se descida
pôs-me entre tantos

nus pêlos cantos

...

sem doma

de instinto crente
vinha tinta
mistura

espora criatura

consinta
ao dente
cura.


...


In

e me disse
leve o enlace
faça a face
vide em riste

pôs-se em passe
séu limite
...

sábado, 6 de fevereiro de 2016

"Minha bela Marília, tudo passa
a sorte deste mundo é mal segura"
Tomás Antônio Gonzaga

então, Marília linda, caminhemos
por parques, pelos prados, pelas praias
aproveitemos ovações e vaias
façamos logo enquanto nós podemos

conheçamos, Má, meios e os extremos

que os outros todos são nossas cobaias
pegue umas roupas, suas minissaias
não temas nada pois nós tudo temos

vivamos livres como dois canalhas

quem sabe um dia um banco a gente assalta
fugimos ricos pra Ilhas Canárias

e aí, pra sempre, é curtição, na flauta

você, dinheiro e a veia literária
e nada mais no mundo me faz falta

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

ais


ah, se fosse mais que ais
se me desatasse nós

se não me deixasse só
tão semente com meu caos


nas funduras abissais
do mar e feito de pó

se amansasse esses chacais
com gravatas, paletós

ah, se fosse em mim a foz

ou se me ensinasse o cais


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

lesado

às vezes acho que eu fiquei lesado
pois quanto mais concentro mais me espalho
se acerto creio que algo esteja errado
me atraso toda vez que tento o atalho

conservo com carinho o que é quebrado
se é fácil certamente me atrapalho
às vezes acho que eu fiquei lesado
pois quanto mais concentro mais me espalho

duvido quando está mais que provado
de férias desenvolvo meu trabalho
passeio pela paz mas vou armado
enquanto o céu desaba eu só gargalho
às vezes acho que eu fiquei lesado