domingo, 29 de março de 2015

Retirantes





"Retirantes", CÂNDIDO PORTINARI, 1944.

Pisando em ossos, tudo é morte e nos convida
À derrocada, a desistir desse cansaço
Desse acidente, desse horror chamado vida
Feita de dores, de incertezas e fracasso


Penando expulsos, retirantes sem saída,
Vão nossos olhos para novos endereços
Nos apoiamos nas tragédias reunidas
Em nossos corpos, carregados aos tropeços

Pois caminhamos doloridos, transtornados
Emudecidos sob um céu de desconsolos
Nossos lamentos cada vez mais ressecados
Pela miséria, pelo infértil desses solos

Abandonados, desespero e desconforto
Até que o corpo ache descanso, tombe morto

sábado, 21 de março de 2015

Quantos?

com quantas desculpas se faz um soneto
viver num caixão não lhe cansa a postura?
se finge de morto mantendo a frescura
ou busca o controle de um plano secreto?

existe remédio que cure esta febre?
qualquer droga serve ou não há que se salve?
se sofre o poeta o poema é suave
ou quando está grave é melhor que lhe quebre?

de quantos temores se faz poesia?
perverte a vontade ou respeita comando?
me empurra ou me para, sustenta ou vicia?

foi feita pra mim, pra você, todo o bando?
liberta? escraviza? dá dor e alegria?
é feita escrevendo, sentindo ou sonhando?

quarta-feira, 4 de março de 2015

Da diarreia de D. Pedro I

Sobre a mula, inda sofrendo a diarreia
nosso príncipe Dom Pedro enfim se zanga
lendo a carta ali, às margens do Ipiranga,
resolveu posar pra história e pra plateia


se sentindo a mais rainha da colmeia
decidiu fazer um show pros seus capangas,
sobe um morro, ergue a espada e solta a franga
Diz: “nem morto abdicarei de minha aldeia.


vou seguir uma novíssima tendência
(impressiona como a Europa anda mudada)
vocês morram pela minha independência


e eu não volto, reino aqui, não pega nada!
Que se cumpra, diga ao povo, dê ciência!
Com licença, que eu vou dar outra cagada.”